Projeto Ave Missões: Pesquisa, Educação Ambiental e Conservação com Aves da Região Noroeste do Rio Grande do Sul

terça-feira, 2 de julho de 2019

Tudo terminou como começou...

Águia-serrana. Foto: ACZ.
* por Adaltro C. Zorzan

Enfim chegou a hora de voltar para a Fronteira Oeste, que é um dos destinos mais aguardados na agenda do Ave Missões. Afinal, é lá que fica o Parque Estadual do Espinilho, com suas aves típicas, e os campos de Uruguaiana, que costumam favorecer a observação e a fotografia de aves. 

Por diferentes motivos, muitos avemissioneiros não puderam participar da saída e coube a mim, ao Paulo e à Márcia a responsabilidade de representar o grupo. A mim ainda tocou a honra de escrever o relato no blog, tarefa que cumpro sem a pretensão de igualar nosso amigo Dante, autor sempre tão inspirado. Além dos ambientes e das aves, animava os viajantes a chance de rever os amigos Ricardo, Gina, Dani e Gabriel.

Próximos de Itaqui, era hora de prestar mais atenção, pois ali é comum a presença de rapinantes nos postes à beira da estrada. A águia-serrana é sempre uma possibilidade e ela não nos desapontou. Agora a passarinhada estava oficialmente aberta, e em grande estilo. A bela “chilena” rendeu boas fotos, inclusive em voo. Na sequência, como costuma ocorrer, avistamos uma boa quantidade de gaviões-caboclo, até que um par de gaviões nos chamou a atenção pela plumagem distinta. Fizemos a volta. Um dos indivíduos permaneceu pousado e registramos o ilustre desconhecido, que parecia se tratar de um jovem – que mais tarde foi confirmado como sendo o gavião-asa-de-telha, considerado um excelente registro.

 
Águia-serrana (Geranoaetus melanoleucus) & gavião-asa-de-telha (Parabuteo unicinctus). Fotos: ACZ (1), Paulo B. Rodrigues (2). 

À tarde, já em Uruguaiana e com bastante tempo, pudemos visitar alguns “hotspots” da região, passando por ambientes como as margens do imponente Rio Uruguai e os belos campos característicos do bioma pampa. Entre as espécies encontradas, citam-se o arapaçu-de-cerrado e outras mais comuns, como o bichoita, o polícia-inglesa-do-sul, o saracuruçu, o cochicho, o coleiro-do-brejo e o gavião-caramujeiro, que, com condições favoráveis e falta de pressa típica de quem está se divertindo, renderam boas fotos. Em seguida, foi a vez de descer do carro para fotografar o joão-pobre, espécie que, embora não seja rara, não é encontrada facilmente nas Missões. Logo após, belas e despreocupadas pombas-do-orvalho, pousadas em mourões de cerca, permitiram ótimos registros para o contentamento dos viajantes.

 
 
Arapaçu-de-cerrado (Lepidocolaptes angustirostris), bichoita (Schoeniophylax phryganophilus), gavião-caramujeiro (Rosthramus sociabilis), joão-pobre (Serpophaga nigricans) & pomba-do-orvalho (Patagioenas maculosa). Fotos: ACZ (1, 2 e 4), Paulo B. Rodrigues (3), Márcia Koch (5). 

À noite, foi hora de comer pizza com os anfitriões e colocar o papo em dia. “Até” de aves se falou. 

Grupo reunido em pizzaria. Foto: ACZ. 

No dia seguinte, o amigo Ricardo veio cedo ao nosso encontro e com ele como guia - não poderia haver melhor opção - fomos ao Parque Estadual do Espinilho, onde o amigo Maurício Scherer, gestor daquela unidade de conservação, nos acompanhou. Assim como o clima, a passarinhada logo começou a “esquentar” com a aparição de uma linda calhandra-de-três-rabos, o que foi suficiente para deixar todos animados. Fotogênico e atraente, o próximo pássaro a aparecer foi o capacetinho. Encontros assim fazem aflorar o espírito de fotógrafo nos observadores, que sempre buscam o melhor ângulo para fazer um "fotão". No almoço, encontramos outros passarinheiros que também aproveitavam o feriadão para observar aves – alguns pela primeira vez – no Espinilho, sendo alguns deles membros do COA Vales. Após o almoço, retornamos ao parque com os novos amigos, mas, talvez devido ao calor intenso, houve poucos avistamentos, com destaque para uma corujinha-do-mato, que respondeu ao playback ao entardecer. Antes de encerrar o dia, alguns ainda foram até a aduana para registrar a coruja-de-igreja/suindara, seguindo a dica do Maurício. O encontro acabou animando os passarinheiros, que retornaram ao Espinilho na tentativa de registrar a coruja-orelhuda, o que acabou não acontecendo.

 
 
Calhandra-de-três-rabos (Mimus triurus), capacetinho (Microspingus melanoleucus), corujinha (Megascops choliba) e grupo Ave Missões e demais observadores. Fotos: ACZ (1), Márcia Koch (2), Paulo B. Rodrigues (3), Maurício Scherer (4).

O sábado reservava grandes encontros e o tempo continuava bastante favorável, apesar da ausência do frio que se poderia esperar para a época. Guiados sempre pelo Ricardo e novamente na companhia do Maurício e dos agora já parceiros de passarinhada conhecidos no dia anterior, percorremos algumas estradas de chão em busca de novos registros. Falava-se, entre outros, no papa-moscas-canela e no pedreiro-dos-andes, além das espécies que seriam lifers para os participantes. Logo no início, no local esperado, uma das previsões já se concretizou: o papa-moscas não tardou para responder ao playback. O ambiente não permitia visualizá-lo muito bem, mas logo, como havia previsto o Ricardo, um indivíduo pousou em uma cerca e depois em uma árvore muito próximas dos observadores, que nitidamente apreciavam o momento.

Papa-moscas-canela (Polystictus pectoralis). Foto: ACZ. 

Ao sair daquele local, nosso guia nos alertava para o ambiente onde já registrara o pedreiro-dos-andes, por onde passamos atenta e lentamente, mas sem encontrá-lo. Sem entrar no mérito da importância e da raridade de uma espécie com relação às outras, pode-se afirmar que a frustração pelo encontro não ocorrido foi prontamente compensada, pois logo chegamos a um local onde permanecemos um bom tempo apreciando as manobras de andorinhas-de-sobre-branco e andorinhas-chilenas, sendo que as últimas eram lifer para alguns observadores. Ao contrário do que normalmente costuma acontecer, desta vez foi possível fazer registros que não deixam dúvidas acerca da identificação, já que a melhor maneira de distinguir uma espécie da outra é a partir da ausência do “testa-branca” na andorinha-chilena e nem sempre é fácil fazer uma foto que permita uma boa identificação. No local havia ainda uma narceja, que se fazia presente com o som característico e sempre surpreendente que faz durante o voo, além de um pica-pau-verde-barrado que relutava em se mostrar inteiramente.

 
Andorinha-chilena (Tachycineta leucopyga) & narceja (Gallinago paraguaie). Fotos: Márcia Koch (1), ACZ (2). 

Um pouco mais adiante, chegamos ao local onde, ao menos na opinião deste passarinheiro, ocorreu o ponto alto da saída. Trata-se de uma bela lagoa, a qual podíamos contemplar a partir de uma ponte, de modo que as aves voavam à altura dos nossos olhos. Ali foram avistados capororocas, espécie emblemática, daquelas que a gente “nunca cansa de ver”. Nesse momento, o difícil era manter o foco em apenas uma espécie. Um socó-boi adulto passou a poucos metros de onde os ávidos passarinheiros estavam, permitindo excelentes fotos em voo. Também chamou a atenção um martim-pescador-verde, que peneirava muito próximo da ponte para logo em seguida descer em um rápido mergulho em busca de uma presa. Entre outras espécies, ainda se destaca uma curicaca-real, pousada um tanto longe. Digno de registro, também, foi o embate entre um cisne capororoca e um “ratão-do-banhado”, tendo a bela ave usado da força do seu pescoço e bico para afugentar o roedor. Foram momentos intensos e o cartão de memória ficava cada vez mais cheio. Saindo dali, a intenção era chegar a um juncal, na esperança de encontrar o amarelinho-do-junco ou outras aves típicas desse ambiente. Porém, talvez pelo forte calor – já eram 12 horas – ou pelas condições da vegetação, a única espécie que se mostrou foi um curutié. Era hora do almoço.

 
 
Socó-boi (Tigrisoma lineatum), martim-pescador-verde fêmea (Chloroceryle amazona), capororoca (Coscoroba coscoroba) & lagoa. Fotos: Paulo B. Rodrigues (1), ACZ (2, 3 e 4).

Naquela tarde, de volta ao Parque Estadual do Espinilho, fomos direto ao território do tio-tio-pequeno, famoso por sua “teimosia” em aparecer, embora já tivesse sido registrado no dia anterior pelos amigos que agora nos acompanhavam. Para a alegria de todos, ele apareceu novamente, o que não significa que tenha sido fácil fotografá-lo. A tarde ainda reservava belos encontros, como o tão aguardado (por mim) corredor-crestudo e o arapaçu-platino, meta de alguns dos observadores presentes. Feitos esses importantes registros, o grupo avançou em direção à área onde o cardeal-amarelo costuma ser encontrado. Como se sabe, o parque é também habitado por gado e, naquele momento, a manada se movimentou ruidosamente para outro ponto, espantando os cardeais, que o Ricardo acabara de ouvir. Apesar de o cardeal ser considerado a estrela do Espinilho, os observadores deixaram o parque satisfeitos, pois nossos novos amigos já o haviam registrado um dia antes e nós, em visitas anteriores. Estava encerrado o penúltimo dia da saída.

 
Tio-tio-pequeno (Phacellodomus sibilatrix) & corredor-crestudo (Coryphistera alaudina). Fotos: ACZ. 

O domingo amanheceu com cara de despedida, tendo em vista o horário do nascer do sol e a intenção de partir logo após o almoço, pois “a estrada é longa e amanhã é segunda-feira”. Mas isso não quer dizer que o grupo, agora mais reduzido, mas com o importante reforço da Gina, não estivesse disposto a encontrar novas espécies. Mal sabíamos que o primeiro encontro seria com uma ave que, além de incomum, costuma ser arisca: a corruíra-do-campo. Inicialmente tímida, ela logo se sentiu à vontade a ponto de pousar na cerca, circunstância que, aliada à luz quente das primeiras horas da manhã e ao cenário como um todo, permitiu ótimas fotos, deixando todos extasiados. Como era cedo, ainda foi possível aos anfitriões atenderem mais um “pedido” nosso, o caminheiro-de-unha-curta, encontrado em um ambiente de campo ralo, facilitando a observação. Nossos guias ainda nos levaram a outros locais, onde registros relevantes já haviam sido feitos. A vontade era de encontrar o corta-ramos, mas todos ficaram satisfeitos ao encontrar uma bela fêmea da maria-preta-de-bico-azulado, que parecia não se incomodar com a nossa presença. Após esse belo encontro, alguns outros ambientes foram ainda visitados, mas sem muitos registros, quem sabe pelo adiantado da hora e pelo calor que fazia.

 
 
Grupo Ave Missões, ACZ, corruíra-do-campo (Cistothorus platensis), momento corruíra & maria-preta-de-bico-azulado fêmea (Knipolegus cyanirostris). Fotos: ACZ (1 e 4), Ricardo Oliveira (2 e 3).

O destino agora era a Fazenda Coqueiro, onde a ideia era almoçar com os anfitriões e tentar o registro do mergulhão-grande, presença constante em uma lagoa. Logo na chegada, avistamos o mergulhão, mas ele estava muito longe para boas fotos. O jeito então foi fazer uma foto do grupo, até para aproveitar a bela paisagem. Depois de mais uma ótima refeição, chegou o momento de dizer “até breve” aos amigos da fronteira, que mais uma vez tão bem nos acolheram. Despedidas são naturalmente melancólicas e lugares, momentos e pessoas especiais deixam sempre um gosto de quero mais. Mesmo assim, embarcamos de volta rumo às Missões. Mas antes mesmo de deixarmos a fazenda, conseguimos melhores fotos do mergulhão-grande, por meio de uma "avançada técnica de observação" desenvolvida pelo Paulo, que consiste em aproveitar os mergulhos da ave para ligar o carro e chegar um pouco mais perto, desligando o motor logo em seguida. Após três mergulhos, conseguimos uma excelente aproximação, melhorando o registro. Quando o mergulhão finalmente percebeu que estávamos próximos, passou a nadar na direção oposta.

 
Mergulhão-grande (Podicephorus major) & Grupo Ave Missões. Fotos: ACZ. 

Depois de uma passarinhada longa como essa e de vários encontros, era de se esperar que os passarinheiros estivessem satisfeitos. E estávamos. Mas isso não significa que não quiséssemos aumentar a lista, que alcançou a bela marca de 141 espécies (veja lista).

Antes de chegarmos à rodovia, fomos premiados com a breve aparição de um gavião-cinza - que não deu chance para fotos -, algumas narcejas que se alimentavam à beira de uma lagoa, um anu-branco se alimentando de um anfíbio e duas águias-serranas. Este, outro encontro fantástico que rendeu mais alguns megabytes nos cartões de memória e lembranças indeléveis em nossas mentes. 

Assim, a bela águia foi a primeira e a última espécie registrada. Tudo terminou como começou: de modo espetacular!

 
Anu-branco (Guira guira) com anfíbio & águias-serranas (Geranoaetus melanoleucus). Fotos: ACZ.

---------------------------------------------------------------------------------
Veja também

---------------------------------------------------------------------------------

8 comentários:

  1. Show de bola, Adaltro! Excelente expedição a nossa, hein?!! Só alegrias...

    ResponderExcluir
  2. De fato, Paulo!! O tempo e as aves colaboraram conosco!! Grande abraço!!

    ResponderExcluir
  3. Belo Post, Adaltro!!! Me senti com sensação de "pena que não pude ir"...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Quem não vai sempre gostaria de ter ido e os que vão sempre gostariam que os outros fossem!! Que bom que existe o blog pra compartilhar os melhores momentos!! Grande abraço, Furini!!

      Excluir
  4. Que bela saída do grupo! Fronteira Oeste é muito linda mesmo. Parabéns pela escrita do post, gostei muito do relato! E que encontros legais, gaviao-asa-de-telha e tbm tio-tio-pequeno e corredor-crestudo, entre outros... show! Um grande abraço!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado, Dante!! Realmente, tivemos belos encontros! E a luz ajudou muito. Uma pena você, a Ataiz e os demais amigos não poderem participar!! Grande abraço!!

      Excluir
  5. Belo post, parabéns! Lindas espécies e registros muito interessantes!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Muito obrigado pela leitura e pelo comentário, Lucas! Grande abraço!!

      Excluir