Projeto Ave Missões: Pesquisa, Educação Ambiental e Conservação com Aves da Região Noroeste do Rio Grande do Sul

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Chegada dos maçaricos...

Maçarico-de-perna-amarela. Foto: DAM
* por Dante Andres Meller
É bem sabido que banhados são importantes... conservam biodiversidade, amenizam efeitos de secas, previnem inundações, etc.

Para um observador de aves, em qualquer época é interessante visitar esses ecossistemas, há sempre uma espécie interessante que pode aparecer...

Entre setembro e novembro, a visita a alguns destes ambientes é convidativa, já que visitantes vindos de longe costumam aparecer, os maçaricos migratórios da América do Norte.

A família Scolopacidae representa um grupo de aves muito interessante. Com grande diversidade de espécies, identificá-las corretamente pode ser um desafio para qualquer observador de aves. A grande maioria delas habitam áreas úmidas, onde se alimentam de pequenos vertebrados capturados em meio ao solo lodoso. São espécies migratórias em sua grande parte, procriando no hemisfério norte e passando sua temporada de invernagem no hemisfério sul.

Durante a migração as aves podem sobrevoar pelo mar, seguir pelas costas, acompanhar grandes rios ou simplesmente sobrevoar sobre a terra mesmo. Nesses deslocamentos algumas aves param temporariamente em áreas úmidas propícias para se alimentar, seguindo viagem depois. Tais áreas incluem lagoas temporárias, lagoas rasas com lodaçal, beira de lagos, etc.

Maçarico-de-sobre-branco (Calidris fuscicollis) em Santo Ângelo. Foto: DAM.

Em especial, alguns grupos apresentam desafios de identificação entre seus congeneres. Em áreas continentais a diversidade é menor do que em áreas costeiras. No entanto, muitas espécies migram pelo interior do continente e podem parar temporariamente em banhados para se alimentar. Na nossa região 10 espécies já foram registradas, e outras duas já foram encontradas no município vizinho de Cruz Alta.

Alguns detalhes na hora da identificação são importantes, como tamanho, forma e coloração do bico e das pernas. Detalhes de coloração e padrão da plumagem também podem ajudar, além da silhueta da ave. Lembrando que muitos maçaricos têm plumagens nupciais diferentes das de descanso reprodutivo, época em que aparecem aqui. Alguns fazem a muda antes de migrar, enquanto outros o fazem durante ou depois. Aves jovens também possuem plumagens distintas.

O primeiro grupo que provavelmente pode dar trabalho na hora da identificação é o do gênero Tringa. Em nossa região três espécies podem aparecer (uma delas no entanto ainda não foi encontrada). São aves de pernas claras que possuem bicos relativamente finos e retos, com anel claro ao redor dos olhos e com um padrão de pintas claras nas penas dorsais.

O menor dos Tringas que ocorre na região. Note que nessa espécie as pernas são curtas e esverdeadas, enquanto nas seguintes são longas e bem amareladas. O bico tem a base pálida, e a ponta é levemente curvada para baixo. O anel ao redor dos olhos é bem marcado. Maçarico-solitário (Tringa solitaria) em Santo Ângelo. Foto: DAM.

Diferente do anterior, essa espécie tem pernas longas, assim como o próximo. Repare o bico fino e pontiagudo, se estendendo proporcionalmente no mesmo tamanho da cabeça. Maçarico-de-perna-amarela (Tringa flavipes) em Santo Ângelo. Foto: DAM.

Assim como toda a ave, note o bico mais robusto e maior que na anterior, proporcionalmente maior que a cabeça. Maçarico-grande-de-perna-amarela (Tringa melanoleuca) em Cruz Alta. Foto: Charles Boufleur.

Outro grupo que pode dar trabalho na hora da identificação são as aves do gênero Calidris, que possuem bicos com pontas mais grossas que nos anteriores, levemente curvadas para baixo. Possuem uma sobrancelha clara notável, e suas plumagens tem padrão com bordas claras nas penas (mais brilhantes nos jovens).

Menor dos maçaricos da região. Tem pernas e bico escuros e relativamente curtos. O ventre é claro com algumas marcas indistintas no peito e nos flancos. Possui uma silhueta meio alongada para trás. Em voo exibe seu uropígio branco, o que o distingue do próximo e lhe confere seu nome em português. Maçarico-de-sobre-branco (Calidris fuscicollis) em Santo Ângelo. Foto: DAM.

Maior que o anterior, com o qual pode ser confundido. Diferentemente, essa espécie tem a base do bico alaranjada e as pernas esverdeadas. O peito riscado é bem mais marcado que no anterior, o que lhe dá o nome em português. Maçarico-de-colete (Calidris melanotos) em Santo Ângelo. Foto: DAM.

Notável pelas grandes pernas amarelo-esverdeadas, o que o distingue prontamente dos anteriores. Seu bico preto também é maior que os dos anteriores. Maçarico-pernilongo (Calidris himantopus) em Santo Ângelo. Foto: DAM.

Outras espécies são muito peculiares e identificá-las não parece ser um grande problema.

Razoavelmente grande para um maçarico, essa espécie tem um longo bico, com base roseada e ponta curvada para cima, o que lhe conferiu seu nome em português. Maçarico-de-bico-virado (Limosa haemastica) em Cruz Alta. Foto: Pedro Sessegolo.

Espécie relativamente pequena, clara, muito elegante, que tem bico fino e preto. Tem como hábito procurar alimento em águas batendo na barriga, podendo também nadar, tornando-a única. Pisa-n'água (Phalaropus tricolor) em Santo Ângelo. Foto: DAM.

Nem todas as espécies são típicas de banhados e lagoas rasas. Duas em particular ocorrem em locais distintos, uma à beira de rios e outra em áreas campestres.

Note as patas verde-amareladas, o bico pálido e o padrão de pontos no ventre branco. Também possui um semicolar cinza e uma faixa branca do ventre formando uma borda na porção anterior da asa. Maçarico-pintado (Actitis macularius) no Salto do Yucumã. Foto: DAM.

Além de ocorrer em áreas campestres e restevas de lavouras, também tem o hábito de pousar em mourões, o que é estranho para um maçarico. Maçarico-do-campo (Bartramia longicauda) em Santo Ângelo. Foto: DAM.

Exceção aos migrantes estão a narceja e provavelmente o narcejão, que também é mencionado para a região, apesar de raríssimo.

Note a peculiaridade dessa espécie pela forma de sua cabeça e comprimento de seu bico. Na época de acasalamento é muito comum vê-la esvoaçando o céu e produzindo sons estranhos pelo atrito de penas modificadas com o ar. Parece preferir banhados pantanosos, onde deve procriar. Narceja (Gallinago paraguaiae) em Santo Antônio das Missões. Foto: Pedro K. Rodrigues.

Ainda é comum nos dias atuais, infelizmente, vermos áreas úmidas serem drenadas. Muitos desses locais formam lagoas temporárias em meio a lavouras onde os maçaricos poderiam utilizar para pouso temporário.

Se santo de casa não faz milagre, quem sabe esses pequenos e valentes estrangeiros um dia possam nos converter às suas necessidades de vida. Já pensou viajar milhares de quilômetros e ao chegar não ter um sequer banhado para repousar? A nós, preservar banhados pode até não ser uma questão de vida (ainda que a longo prazo deva ser), mas para essas aves pelo jeito é!

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Veja também:

Como identificar uma ave?
Novembro das Aves
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12 comentários:

  1. Muito bem explicado o post sobre Maçaricos! Obrigada Dante por compartilhar com todos os seus estudos !

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  2. Muito bom Dante.O trabalho é encontrar agora aqueles q estão faltando. E quem sabe algumas surpresas.

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    1. Isto Pedro... Acredito que o maçarico-acanelado e quem sabe o maçariquinho ainda possam aparecer... Talvez alguma outra surpresa...

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  3. Gostei demais do texto e das fotos. Aqui eles não foram encontrados ainda nesse ano, já procurei em arrozais aqui no meu município e nada, só um registro do Tringa flavipes a alguns anos atrás. O Pisa-n'água deve ter sido emocionante registrar. Abraço!

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    1. Valeu Alexandre! É bom ficar atento... gostei muito do pisa-n'água, meu maçarico preferido sem dúvida!

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  4. Ótimo post , parabéns ! Belas fotos e texto muito explicativo !!! Linda foto do Pisa-n'água !

    Ass.:Lucas N de Porto Alegre - RS

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  5. Valeu Dante, grande postagem... muito didática. hahaha!

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  6. Ricardo O. de Oliveira27 de outubro de 2015 às 20:35

    Parabéns Dante, fantástica tua postagem!

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