Projeto Ave Missões: Pesquisa, Educação Ambiental e Conservação com Aves da Região Noroeste do Rio Grande do Sul

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Todos os caminhos levam a Uruguaiana

Grupo Ave Missões no PE do Espinilho.
Foto: Ingrid Sessegolo.
*por Pedro Sessegolo
Às vezes a gente fica matutando e até reclamando... – como é longe Uruguaiana!!

Na verdade não é longe, ainda mais para nós observadores de aves. 

Em qualquer caminho que leva a Uruguaiana e de lá até a Barra do Quaraí, assim como as suas estradas, seus atalhos, suas picadas e sangas, a natureza floresce e os seres alados que tanto apreciamos existem em profusão, desde aqueles numerosos bandos de garibaldis, até aqueles que a gente só encontra por lá, o que torna as saídas para Uruguaiana e Barra do Quaraí recheadas de surpresas e de encontros inesperados.


E talvez é por isso que Uruguaiana parece tão longe, pois muitas vezes paramos no caminho a ver a revoada dos garibaldis ou o majestoso voo de uma águia-chilena. E lá mora a família Bellagamba Oliveira, a Gina, o Ricardo e a Danielle, que seriam os nossos anfitriões em mais uma expedição do Grupo Ave Missões, reunindo amigos de Santo Ângelo, Tenente Portela, Porto Alegre e Cruz Alta.

Bando de garibaldis (Chrysomus ruficapillus). Foto: Pedro Sessegolo.

Águia-chilena (Geranoaetus melanoleucus) em Itaqui. Foto: Pedro Sessegolo.

Mas desta vez até procuramos não nos demorar muito no caminho. E por uma razão muito especial. O jardim da casa de nossos anfitriões, praticamente no centro da cidade de Uruguaiana, estava recebendo uma visita muito especial e que seria lifer para todos os integrantes do grupo.  E foi um encontro com hora marcada. As pombas-de-bando, que durante o dia ficam se alimentando na zona rural, ao entardecer vêm procurar abrigo na cidade e bandos numerosos, incluindo pombões, vêm justamente passar a noite nas árvores do jardim de nossos anfitriões. E o gavião-asa-de-telha chegou na hora marcada, pois tem o reconhecido hábito de caçar no crepúsculo; sobrevoou o jardim e pousou para escolher uma presa. Agitação do grupo para tentar uma boa foto, o que não foi tão fácil.

Grupo mateando e esperando a aparição do gavião-asa-de-telha.

Jovem gavião-asa-de-telha (Parabuteo unicinctus). Foto: Pedro Sessegolo.

Logo de manhã, o grupo seguiu para a Estância Coqueiro, com breves paradas no caminho, até porque alguns integrantes do grupo estavam debutando em Uruguaiana e quase tudo era novidade. Já na entrada da fazenda, um mergulhão-grande nadava no açude, na companhia de algumas marrecas-pé-vermelhos, pernilongos-de-costas-brancas e uma solitária narceja. Na sede da fazenda, majestosas estavam duas pombas-do-orvalho, que deram boas vindas aos numerosos cliques das máquinas fotográficas.

Mergulhão-grande (Podicephorus major). Foto: Ricardo de Oliveira.

Narceja (Gallinago paraguaie). Foto: Ingrid Sessegolo.


Pomba-do-orvalho (Patagioenas maculosa). Foto: Márcia Koch.

Pela manhã fizemos uma boa caminhada pelos campos da fazenda, com sua vegetação típica, assistindo já de inicio um show do coperete, maior espécie da família Furnariidae, rendendo belas imagens. Também destacamos o encontro com um bando de capacetinhos, que nesta época do ano aproveitam as flores amarelas dos espinilhos. Uma calhandra-de-três-rabos - a prima elegante do símbolo da Califórnia da Canção Nativa, festival de música de Uruguaiana - mostrou sua elegância. E por todo o caminho, se esgueirando entre os ramos das arvoretas, ficavam casais de balança-rabos-de-máscaras, simpática avezinha muito comum da região, sempre na sua variada cantoria, que às vezes chega a confundir o mais experiente observador.



Coperetes (Pseudoseisura lophotes). Foto: Paulo B. Rodrigues.


Capacetinho (Microspingus melanoleucus). Foto: Pedro Sessegolo


Flores do espinilho. Foto: Ingrid Sessegolo.


Calhandra-de-três-rabos (Mimus triurus). Foto: Adelita Rauber.


Balança-rabo-de-máscara (Polioptila dumicola). Foto: Pedro Sessegolo.

Antes do almoço, de volta à sede da fazenda, em meio a algazarras das caturritas e de um bando misto de alegrinhos e capacetinhos,  apareceu um casal de sanhaço-de-fogo, com a cor tão maravilhosa quanto a do prato principal do almoço feito e servido pelo talentoso mestre cuca Gabriel Brixter e pela Danielle. Ainda comemoramos o aniversário da Jurema Furini, com bolo, docinhos e cantoria.



Grupo Ave Missões na Estância Coqueiro. Foto: Márcia Koch.

Essa dispensa legenda, não?


Sanhaço-de-fogo (Piranga flava). Foto: Cláudio Furini.

Na parte da tarde, já com o Felipe Rodrigues, recém chegado da capital, integrado ao grupo, visitamos um mato de eucaliptos próximo à sede, residência permanente do bacurau-tesoura que mostrou sua arte de voar e de se camuflar no chão cheio de galhos e folhas. Percorremos os campos onde um curioso fenômeno ocorria, um tipo de migração de pequenas aranhas que aproveitando o vento e o calor lançavam suas teias e muitas vezes decolavam para grandes alturas. Ao passar novamente pelo mato de eucaliptos percebemos a presença do arapaçu-de-cerrado e do fantástico arapaçu-platino, cujo porte e elegância faz dele um dos mais belos integrantes da família Dendrocolaptidae.

Bacurau-tesoura (Hydropsalis torquata). Foto: Pedro Sessegolo.



Campo com teias de aranha. Foto: Ingrid Sessegolo.

Arapaçu-de-cerrado (Lepidocolaptes angustirostris). Foto: Pedro Sessegolo.

Arapaçu-platino (Drymornis bridgesii). Foto: Pedro Sessegolo.


Já quase no final da tarde, fizemos uma rápida visita ao Arroio Toro Passo, onde encontramos mais um belo casal de sanhaço-de-fogo, e ainda a maria-preta-de-bico-azulado, mas logo o céu tomou aquela matiz de chumbo e a pintura da tarde deu lugar à noite e à profusão de estrelas que nos trouxe aquele momento de reflexão e de observar o quanto somos um quase nada no vasto pampa gaúcho.


Maria-preta-de-bico-azulado (Knipolegus cyanirostris) macho. Foto: Ingrid Sessegolo.



Grupo Ave Missões no Toro Passo. Foto: Márcia Koch.

No sábado era dia de seguir rumo à Barra do Quaraí, mas fomos devagarzinho, aproveitando tudo que a natureza nos oferece no caminho. Ainda em terras de Uruguaiana, na ponte sobre o Arroio Ipapitocai, encontramos um bando de cavalarias, num frenesi entre um e outro veículo.


Cavalaria (Paroaria capitata). Foto: Cláudio Furini.

Depois, já em terras de Barra do Quarai, duas paradas são quase obrigatórias, nas barragens que a estrada corta. Muita água, vegetação de banhado, plantas aquáticas e peixes são os ingredientes para encontrar até mesmo uma gaivota-de-cabeça-cinza em pleno pampa. Presença obrigatória dos tachãs, muitos frangos-d'água, mergulhão-caçador, frango-d'água-carijó e o céu sempre cortado pelo som supersônico das narcejas em voo. Um casal de marrecas-de-coleira passou rapidamente, enquanto o socó-boi trocava de lugar, ficando imóvel  para nos observar.


Gaivota-de-cabeça-cinza (Chroicocephalus cirrocephalus). Foto: Ingrid Sessegolo.

Casal de marrecas-de-coleira (Callonetta leucophrys). Foto: Pedro Sessegolo.


Socó-boi (Tigrisoma lineatum). Foto: Ingrid Sessegolo.

Já era metade da manhã quando chegamos no Parque Estadual do Espinilho, mas tranquilos pois sabíamos que no dia seguinte lá estaríamos de novo bem cedo. Conhecemos o guarda-parque Maurício, que nos acompanhou na breve caminhada. Breve, mas rendeu bons encontros, como sempre. Um solitário corredor-crestudo apareceu rapidamente. Nosso anfitrião Ricardo fez uma breve explanação sobre a vegetação do parque, principalmente a diferença entre os espinilhos e os inhanduvás. E ainda conhecemos as algarrobas, os quebrachos-brancos, cactos e muitas outras plantas que fazem do parque um lugar único. Toda a aparente força deste ambiente contrasta com a sua fragilidade, o que nos inspira com ideais de conservação, de preservação e de certa forma consolados por saber que existem pessoas como o Ricardo, a Gina, e agora o Maurício, sempre alertas para que o parque seja eterno.


Corredor-crestudo (Coryphistera alaudina). Foto: Pedro Sessegolo.


A marcante paisagem de savana do PE do Espinilho. Foto: Márcia Koch.


Grupo Ave Missões com guarda-parque Maurício no PE do Espinilho. Foto: Márcia Koch.

Na tarde seguimos por estradas no interior de Barra do Quaraí, talvez o melhor lugar para conhecer todo as paisagens do pampa. Muitas aves de rapina, como o gavião caramujeiro e o gavião-caboclo. Nas represas uma bela família de mergulhões-grandes tratava de seus três filhotes com muita dedicação. Fomos até a Sanga Funda, onde encontramos a viuvinha-de-óculos e o joão-pobre. Mas o show mesmo foi de um coleiro-do-brejo, que indiferente à nossa presença tomou um banho na sanga.


Filhotes de mergulhão-grande (Podicephorus major). Foto: Ingrid Sessegolo.

Viuvinha-de-óculos (Hymenops perspicillatus) macho. Foto: Ingrid Sessegolo.

Passamos a noite na Barra do Quaraí, para que no dia seguinte a visita ao parque fosse no amanhecer, bem cedo. No parque, a primeira e grande surpresa foi encontrar o tijerila, primeira vez registrado no inverno, contrariando quase todas as publicações de sua ocorrência. Em seguida uma sucessão de encontros bem característicos do parque, como rabudinho, pica-pau-chorão, suiriri-cinzento, lenheiro, arapaçu-de-cerrado, capacetinho e arredio. E o êxtase: um casal de cardeais-amarelos apareceu e trouxe aquele sentimento de missão cumprida. Como é bom vê-los!


Tijerila (Xenopsaris albinucha). Foto: Paulo B. Rodrigues.


Rabudinho (Leptasthenura platensis). Foto: Pedro Sessegolo.


Suiriri-cinzento (Suiriri suiriri). Foto: Ingrid Sessegolo.


Arredio (Cranioleuca pyrrhophia). Foto: Pedro Sessegolo.

Cardeal-amarelo (Gubernatrix cristata) macho. Foto: Paulo B. Rodrigues.

Já retornando à sede do parque, depois de uma longa caminhada margeando o rio Quaraí Chico, tivemos o derradeiro encontro, lifer para todos os visitantes, uma arredia noivinha-coroada apareceu, caçando insetos e driblando fotógrafos. Muita adrenalina, ninguém pode dizer que observação de aves não é um esporte.


Noivinha-coroada (Xolmis coronatus). Foto: Márcia Koch.

Em todos os ambientes que passamos ou visitamos foram mais de 120 espécies registradas (veja lista), o que se configura um número muito expressivo. Foram momentos de muita descontração, muita alegria, muitas risadas e muita emoção, ingredientes para que as amizades se consolidem, tudo sendo narrado em tempo real aos amigos que por uma razão ou outra, não puderam estar presentes.

Depois de toda esta narrativa podemos concluir e chegar a uma verdade definitiva: Uruguaiana só é longe porque sempre é muito grande a vontade de lá chegar.

Grupo Ave Missões em Inhanduva no PE do Espinilho. Foto: Márcia Koch.
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12 comentários:

  1. Parabéns a todos, um belo passeio com ótimos registros.

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  2. Excelente texto e ótimas fotos!! Parabéns a todos os participantes pelos registros!!

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  3. Muito bem relatado, Pedro Sessêgolo e bem diagramado pelo Dante...

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  4. Dante e amigos do Ave Missões. Agradeço a oportunidade para fazer a narrativa do que foi o nosso passeio, também agradecendo ao Dante pela formatação das fotos. Aliás, primeira vez que escrevo em um blog. Viva Uruguaiana e vida eterna ao Parque do Espinilho!!

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  5. Show demais!! Deu saudade do ano passado, quando estive com vocês por lá! Show demais! Abração

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    1. Raphael, voce e o amigo Caio sempre são lembrados em nossas saídas!!

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  6. Sensacional Vida longa ao pampa e ao grupo avemissoes. Abraço. Marcelo Pereira ( www.wikiaves.com.br/j-marcelo )

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  7. Grande post, com ótimo texto e belíssimas fotos! Lindas aves e paisagens... Parabéns ao grupo!

    Ass.:Lucas N de Porto Alegre - RS

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  8. Parabéns pela reportagem, contudo, tenho uma ressalva quanto ao Título
    Ficaria melhor assim: Todos os caminhos levam a Uruguaiana, e a Barra do Quaraí

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