Projeto Ave Missões: Pesquisa, Educação Ambiental e Conservação com Aves da Região Noroeste do Rio Grande do Sul

terça-feira, 30 de abril de 2019

Garruchos Manuã

Tucanuçu. Foto: DAM.
*por Dante Andres Meller
Rodeado de expectativas, Garruchos é um local pouco visitado por observadores e, portanto, pouco conhecido em relação à sua avifauna.

O município possui fama ornitológica originária das visitas do renomado William Belton, ornitólogo americano que nos anos 70/80 fez registros relevantes no local, incluindo duas espécies que no estado não foram mais encontradas desde aqueles tempos, o peixe-frito-verdadeiro e o barranqueiro-de-olho-branco.

Além disso, várias espécies raras ou ausentes da lista do RS possuem ocorrência em áreas adjacentes argentinas, alimentando ainda mais o imaginário das possibilidades aladas.

Localização de Garruchos, RS, Brasil.

Nossa saída começou em Santo Ângelo, quando os amigos cruzaltentes, Pedro e Fernando, chegaram e fomos ver o catatau que está habitando a área urbana do município. A listagem passou a ser efetiva, de fato, ao pararmos no posto após Santo Antônio das Missões e vermos um bando de periquitões-maracanã (Psittacara leucophthalmus) passar sobrevoando, mas tão rápido que nem deu chances para fotos. A partir disso, começamos a registrar tudo que tinha asas. E pelo caminho fomos encontrando, ainda em Santo Antônio, marreca-pardinha, príncipe, jacuaçus e primavera, este já em território de Garruchos.

Catatau (Campylorhynchus turdinus). Foto: Pedro Sessegolo.

 
 
Marrecas-pardinhas (Anas flavirostris), príncipe (Pyrocephalus rubinus), jacuaçus (Penelope obscurae primavera (Xolmis cinereus). Fotos: DAM.

Ao chegar na porteira da fazenda, digamos assim, encontramos um ponto de referência, a Lagoa das Sete Ilhas. Nessa lagoa, que de fato tem sete ilhas, fomos recepcionados por diversas espécies interessantes, incluindo, entre outras, o dragão, a freirinha e a viuvinha-de-óculos, as três representando apenas a segunda localidade com registro na região.

 
 
Lagoa das Sete Ilhas, dragões (Pseudoleistes virescens), freirinha macho (Arundinicola leucocephala) e viuvinha-de-óculos fêmea (Hymenops perspicillatus). Fotos: DAM e Pedro Sessegolo.

Logo após os registros, chegamos em nosso destino, a Fazenda Manuá. O local serve de acolhida aos peregrinos do Caminho das Missões, motivo pelo qual a fazenda foi indicada para nós visitarmos. Coincidentemente, a fazenda fica ao lado da Fazenda LF, que já havíamos visitado alguns anos atrás, sendo possível enxergar a sua sede de onde estávamos.

Além do mais, a sede da Manuá fica muito perto de um fragmento de mata muito interessante, que é circundado pelo campo nativo, passando pelas matas de borda de pau-ferro, até chegar às matas estacionais que vão até o rio Uruguai. Por tal razão, e por ser a sede bastante arborizada, uma vez que de acordo com o proprietário Guinter, seu pai (Sr. Isbrecht) plantou diversos tipos de árvores, a fauna local é atraída para a área. Lá podem ser encontradas várias espécies de aves e até mamíferos, como o bugio-preto, embora não o tenhamos visto ali.

E vejam bem do que estamos falando... logo na chegada na sede, um registro novo para a região noroeste, o arapaçu-de-cerrado. Depois, ao fim do dia, os tucanuçus apareceriam em um bom grupo, com cerca de 5 ou 6 indivíduos. Quase na mesma hora, uma vocalização aguda meio metálica... eu não sabia dizer o que era, mas o Pedro Sessegolo teve essa espécie em seu jardim por alguns dias e se familiarizou bem com seu canto, o ferreirinho-relógio. No dia seguinte, apareceria também um belo casal de sanhaço-de-fogo, nos fazendo correr de um lado para o outro em busca de fotos, representando apenas a terceira localidade com registros para a região.


  
 
Arapaçu-de-cerrado (Lepidocolaptes angustirostris), tucanuçus (Ramphastos toco), Ferreirinho-relógio (Todirostrum cinereum) e sanhaço-de-fogo macho (Piranga flava). Fotos: DAM e Pedro Sessegolo.

Conhecíamos a porteira e a sede da fazenda e, como se diz, já havíamos ganhado a vinda. Embora o tempo não tenha colaborado, por conta das constantes chuvas, as aves estavam bem à mostra, nos fazendo lembrar que quem não gosta de chuva não são elas, e sim nós.

Gavião-caboclo (Heterospizias meridionalis). Foto: Fernando Sessegolo.

Após o almoço de recepção, lá fomos nós para uma investida nos fundões da fazenda. O primeiro local foi o acampamento do Rio Uruguai, onde há alguns trechos de mata de beira de rio, margeadas por matas de pau-ferro e campos e lavouras. Nas matas foi onde tivemos as melhores surpresas e em poucos momentos descobrimos no local espécies como o tangará (Chiroxiphia caudata), o chupa-dente e o estalador. A seguir também um grupo de maitacas (Pionus maximiliani). Depois de uma caminhada pelas bordas de mato e campo, encontramos na volta para o carro um bando misto com diversas saíras-de-chapéu-preto e figuinhas-de-rabo-castanho (Conirostrum speciosum), entre outras espécies mais comuns. Eu fiquei vendo o bando e perdi os bugios-pretos que o pessoal viu acima do acampamento. Ali encontramos também algumas pegadas que poderiam ser do puma, embora estivessem meio apagadas pela chuva.


 
 
Chupa-dente (Conopophaga lineata), estalador (Corythopis delalandi), saíra-de-chapéu-preto macho (Nemosia pileata) e bugio-preto macho (Alouatta caraya). Fotos: DAM e Pedro Sessegolo.

A seguir, visitamos a Lagoa da Mata, um corpo-d'água que lembra muito a lagoa das marrecas do Turvo e que possui uma mata que merece ser melhor explorada por nós observadores. Nesse local, fomos recepcionados logo de cara por um dos registros mais legais da saída, representando a terceira localidade com ocorrência para o noroeste apenas, o gavião-preto. A seguir, na lagoa, não vimos nada além de alguns martins-pescadores, mas na mata ao redor vimos um macho do anambé-de-bochecha-parda (Tityra inquisitor) e também ouvimos e gravamos o chocão-carijó (Hypoedaleus guttatus), este sim mais um registro digno de nota.

Gavião-preto (Urubitinga urubitinga). Foto: Pedro Sessegolo.

Depois disso, voltamos para casa e, tirando um sufoco que o Pedro passou com a camionete no barro, tudo foi relativamente tranquilo, independente da chuva que caía continuamente. À noite, resolvemos corujar, ou pelo menos fazer uma caminhada noturna, sem muitas pretensões, nos arredores da sede até a Lagoa das Sete Ilhas. Sem sucesso, procuramos pelo jacurutu que suspeitamos ocorrer no local, conforme os comentários que a Fernanda nos passou de uma enorme coruja que vive ali. Curioso mesmo foi termos ouvido a sanã-amarela (Porzana flaviventer) na Lagoa das Sete Ilhas. Eu já conhecia o canto da espécie de São Borja, onde a ouvi algumas vezes sempre após o pôr-do-sol. Mas escutar à noite foi um pouco surpreendente. Tentamos gravar, mas estava longe, no entanto, todos nós ouvimos com convicção, representando o segundo novo registro para a região noroeste proveniente desta saída. A única espécie que conseguimos fotografar foi uma corujinha-do-mato, que estava pousada num palanque de cerca permitindo boa aproximação. 

Corujinha-do-mato (Megascops choliba). Foto: DAM.

Na manhã do dia seguinte, após nosso café da manhã, fomos dar uma caminhada no mato próximo à sede. Andamos bastante, cruzando campos e ambientes de pau-ferro na borda da mata. Vimos um graxaim-do-campo (Lycalopex gymnocercus), escutamos bugios-pretos e também encontramos rastros de veados. As aves também estavam ativas neste dia, e no ambiente de borda pudemos registrar aves interessantes, como o sebinho-olho-de-ouro, pica-pau-de-banda-branca, maria-preta-de-bico-azulado e guaracava-de-crista-branca, esta representando apenas o segundo registro para a região, embora não a tenhamos conseguido fotografar. A caminhada foi extensa, mas muito valiosa. Em um certo ponto adentramos a mata, onde registramos arapaçu-verde (Sittasomus griseicapillus), saíra-de-papo-preto (Hemithraupis guira), entre outros. Ali também ouvimos novamente os tucanuçus e visualizamos dois patos-do-mato (Cairina moschata) cruzarem voando sobre a mata. Na volta fotografamos também um sapinho-de-barriga-vermelha, a exemplo da outra saída que fizemos em Garruchos.


 
Sebinho-olho-de-ouro (Hemitriccus margaritaceiventer), pica-pau-de-banda-branca (Dryocopus lineatus), sapinho-de-barriga-vermelha (Melanophryniscus atroluteus) e borboleta-hortensia (Euptoieta hortensia). Fotos: DAM e Fernando Sessegolo.

Após o almoço, decidimos ajeitar as coisas e voltar embora, mas com calma, parando para fotografar sempre que possível. Primeiro, paramos na Lagoa das Sete Ilhas, onde haviam alguns frangos-d'água-azul adultos e jovens, uma garça-moura, alguns veste-amarelas e tesouras-do-brejo. Logo mais, paramos na beira da estrada para ver novamente alguns vestes e tesouras, mas dessa vez também havia, entre outros pássaros de banhado, um coleiro-do-brejo (Sporophila collaris). Quase já no asfalto, paramos em uma lagoa, já território são-borjense, onde haviam muitas aves, incluindo diversas marrecas-caboclas, sendo esta a última parada de observação da saída.


 
 
Frango-d'água-azul (Porphyrio martinicus), garça-moura (Ardea cocoi), tesoura-do-brejo (Gubernetes yetapa) com fêmea de veste-amarela (Xanthopsar flavus) e marrecas-caboclas (Dendrocygna autumnalis). Fotos: Fernando e Pedro Sessegolo.

Foi um fim de semana muito produtivo, com 142 espécies observadas (Veja lista de espécies). Deixamos nosso agradecimento mais que especial os anfitriões da fazenda Manuã, Guinter e Fernanda, por toda a recepção, hospedagem e alimentação. Agradecemos também ao Darlan, que nos indicou o local.

Valeu demais, um forte abraço a todos!
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12 comentários:

  1. Quantas espécies legais, muitas diferentes da avifauna aqui do Vale do Taquari. Parabéns aos envolvidos!

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    1. Sim, muito bicho típico dessa transição da fronteira oeste para as Missões e Alto Uruguai. Valeu, abraço!

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  2. q maravilha de saída, lugares novos sempre rendem coisas muito boas!

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    1. Com certeza e ainda mais nesses locais pouco visitados, com acesso mais restrito, etc. Valeu, grande abraço!

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  3. Excelente post... Com este novo formato, mais ilustrado, ficou muito interessante... Parabéns! Belas imagens e curiosos registros!

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    1. Sim, fazia horas que estava pensando em mudar um pouco, dar mais ênfase ao texto e deixar grande parte das fotos mais como ilustrações mesmo. Que bom que curtiu. Valeu, grande abraço!

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  4. Espectacular la salida, qué buena cantidad de especies vistas, en mi zona el récord que hice es de 100 en un día, espero superarla. Las aves típicas de la zona límite entre Corrientes y Misiones, de lo que se puede ver en Argentina.
    Parabens

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    1. Sim, ficamos muito impressionados realmente. Essa zona de transição que mencionaste é muito rica em aves, infelizmente no RS não há nenhuma área protegida nessa área. Gracias Hernán! Saludos!

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